17.10.12

Fraternidade - Um sermão na capelinha

A igrejinha de 1772, não é sede e sim capela. Por isso nem sempre tem padre lá dentro. As tardias beatas da vila, os novatos carismáticos, o povo de sempre e um padre puxando a celebração. Ocorre que o velho era já nada novo e anunciava a aposentadoria. Por acaso fui à missa naquele dia, já andava enjoado de ir uma vez por ano, acumulei mais uma ida, 2009 já contava com três ou quatro visitas minhas. Lá dentro é geralmente mais quieto que fora.
O que vale do causo é o seguinte:
Ninguém compreendia o sermão. O padre falava, olhava para todos e só encarava um punhado de gente fazendo cara de paisagem, porque entender mesmo, necas de pitibiriba... Antiga vila que derretia baleias inteiras para extrair o seu óleo, produto que precede a civiliação e possibilitou a luz elétrica e até os blogs e computadores, pela sua ousadia e riqueza a Armação do Pântano do Sul possuía uma capela mais igrejinha que as capelas de outras vilas. O padre mais ia até sede do conselho, menos até a capela, números. Ele contava o que pensava sobre as coisas inventadas pelo homem e o que era criado por Deus, mais importante segundo o padre. Eu meio que sorria e vez por outra olhava também pelo entorno, sorrindo, achando graça, essa que se acha quando algo verdadeiro acontece e nos aclara as ideias. Tentava um assentimento, um compartilhamento. Mas pro meu ver também só mostravam paisagens estampadas na cara. Só o padre, já que a capela que é igrejinha deixa a gente perto, vez por outra me olhava e, entendimento meu, esboçava um sorriso aliviado, como quem pensa que dois ou três estão entendendo e então já valeu a missiva.
Sem muito falar com o peso de palavras sérias de pai, mais com dizer de prosa, de conversa na sala, o pai emprestado desdizia um punhado de coisas, quase todas as coisas que padres sempre dizem, que a igreja sempre diz. Trocava tudo por um conceito, qual seja: Fraternidade
Assim falava ele.
Cantar não é preciso, nem baixo, nem alto. Isso é a parte da festa, da celebração. O homem inventou isso, não foi Deus, Ele não precisa disso e nem está preocupado com o canto, isso não muda nada. Rezar, também não precisa, não muda nada. Se rezar fizer bem, faz a você, Deus não precisa de reza. Pedir, suplicar, fazer promessa... nada, coisa inventada pelo homem. Deus vê tudo, você não precisa avisar a Ele. Tua religião não importa, o homem criou as religiões, Deus não está preocupado com a tua religião. Vir a missa, não precisa, pode ficar em casa, missa é invenção do homem, Deus não criou a missa. Se você tem mais facilidade de se acalmar, de apaziguar a alma estando na igreja, com outras pessoas, rezando e cantando para se sentir perto de Deus, ótimo, venha. Gosta de outro tipo de templo, ou de casa. Gosta de outro tipo de celebração, vá, ou não vá. Isso não importa. Mas Deus não vai te dar algo em troca por isso, isso não vai te salvar ou condenar, não há nenhuma importância nisso para Deus, só para você... e assim é tudo que cerca o que você vê aqui, inclusive eu.
Naquela missa a igreja estava lançando a campanha da fraternidade do ano de 2009 cujo lema era Fraternidade e Segurança Pública. Programações e coisarada que envolvem esse evento anual católico. E o padre, que ia se aposentar, talvez motivado por isso, já que os chefes não poderiam mais lhe encher os pacovás, perdoava a gente de tudo, livrava de tudo. Fraternidade, só isso. Nenhum dogma, nenhuma doutrina, nenhuma obrigação para seguir. Fraternidade, segundo o padre, o único mandamento vindo de Deus. Nenhum outro mandamento, só esse. Frizava, único. Todo o resto, segundo o padre, inventados pelo homem. Podem até ser bonitinhos, mas completamente humanos, desnecessários para Deus. Encerrou o sermão olhando para os fiéis, geralmente infiéis e quase sempre com cara de paisagem dizendo que, qualquer um que estivesse por ali, incluindo os músicos, ou que sentisse alguma obrigação de rezar, confessar e essas coisas que são da igreja para ter a sua salvação, podia ir para casa tranquilo, pois nada disso afeta a Deus, nada.
Fraternidade.
Fiquei feliz, abençoado, livre. Terminou a missa. Deus continua lá e eu cá. Um dia a gente se encontra.

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